domingo, 23 de fevereiro de 2014

ANDARILHO DA BOLA: ANDOU 2.800 KM DE SOBRAL - CE A BAURU - SP PARA FAZER UMA PENEIRA

Futebol: andarilho, para tentar ser da bola

Jovem sai do Ceará e atravessa o País pegando carona com caminhoneiros para fazer ‘peneira’ em Bauru


Quioshi Goto
Francisco Apolinário tem 22 anos
“Muita gente não atravessa a cidade para fazer a peneira porque acha que é longe. Eu fiquei vinte dias viajando, dormindo no chão, carregando caminhão, para tentar ser jogador”. É assim que Francisco Rildson Nascimento Apolinário define sua saga em busca de uma oportunidade no mundo da bola.
Aos 22 anos, este cearense de Sobral, no sertão do Cariri, percorreu os 2.800 km que separam sua cidade natal de Bauru durante vinte dias, na base da carona de caminhões. Em troca, ajudava os caminhoneiros a descarregar os veículos e ganhava alguns ‘trocados’ por isso, dinheiro que permitiu pagar a inscrição de uma peneira que aconteceu na Associação Atlética Banco do Brasil (AABB) de Bauru entre quarta-feira e ontem, com olheiros da Independente de Limeira, clube da Série A-3 do Campeonato Paulista.
Francisco sonha em ser atacante. “Me inspiro no Walter, do Goiás”, revela o jovem, que sabe ter pouco tempo para concretizar o desejo de atuar profissionalmente, afinal, nasceu em junho de 1991 – muitos clubes já buscam atletas nascidos entre 1993 e 96. O teste da última semana foi promovido pela J.M. Sports, para atletas nascidos entre 1990 e 2000, e contou com olheiros de Limeira. Alguns jogadores poderiam ser selecionados para passar mais alguns dias no clube.
Sobral-Bauru
“Foi complicado. Carona de caminhoneiro hoje em dia não é fácil. E eu ainda sou uma pessoa tímida, sempre fui mais isolado. Então tentei carona e ajudando a descarregar caminhão para conseguir dinheiro e pagar a inscrição de uma peneira”, explica Francisco, que é filho único e já concluiu o ensino médio. O teste na Cidade Sem Limites custou a ele cerca de R$ 250,00, e incluiu refeições e alojamento por três dias. “Descarreguei sete caminhões ao todo, e cada caminhão tinha sete toneladas de cimento. Dormia onde dava, no chão, em rede embaixo do caminhão, tomava banho em posto”, ressalta o conterrâneo de Renato Aragão, conhecido humorista que fez a fama no papel de “Didi Mocó”, e que um dia fez o mesmo percurso do jovem, saindo de Sobral rumo ao Sudeste.
Francisco ficou alojado com outros garotos em Bauru até ontem. A partir de hoje, sua intenção é seguir para São Paulo. “Vou tentar arrumar algum dinheiro e ir para a Capital do Estado. Até porque lá eu sei que terei mais oportunidades. Minha ideia é fazer bicos no Ceasa de São Paulo e conseguir juntar dinheiro para fazer outras peneiras em clubes aqui do Estado. Acho que aqui posso ter mais oportunidades do que no Ceará”, entende.
“Lá no Nordeste é muito complicado. Os times não dão oportunidade se não for jogador conhecido”, comenta Francisco, que quer perder pelo menos 10kg. “Na minha cidade eu não treinava, então estou acima do peso. Tinha que ter uns 55kg, mas estou com 75kg. Mas se eu perder dez eu já vou voar dentro de campo”, garante o atacante.

Futuro
São-paulino, Francisco pretende estudar Educação Física se não for jogador. “Eu vou tentar ser atleta profissional até onde for possível. A gente sabe que hoje os clubes querem um cara de 17 ou 18 anos, mas não posso desistir, pode dar certo ainda. Se eu não virar jogador, gostaria de fazer uma faculdade de Educação Física e ajudar outras pessoas a realizarem o sonho de jogar”.
Após um dos testes realizados nesta semana, Francisco foi cumprimentado pelos demais companheiros de avaliação, em homenagem a sua luta e perseverança para se tornar um atleta profissional. Emocionado, não conteve as lágrimas e agradeceu. Ficar nesta cidade e não voltar pro sertão. Assim diz o poema de Belchior, em “Como nossos pais”, uma canção de outro filho ilustre de Sobral que ficou famosa na voz marcante de Elis Regina. Como tantos garotos brasileiros, Francisco segue em busca de seu sonho. Longe da forma física ideal, sem dinheiro e lutando por um espaço muito concorrido, parece apostar na máxima da canção de Belchior: viver é melhor que sonhar.

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