Duas horas após o clássico São Paulo e Santos.
Disputado no Morumbi, Zona Sul de São Paulo.
Um Vectra preto e um Corsa branco circulam em baixa velocidade.
Estavam na avenida Conde de Frontin, na Radial Leste.
Quando de repente, os dois carros pararam.
E dentro saem cerca de mais de dez homens com roupas de torcida organizada.
Seriam entre 12 e 15.
Testemunhas afirmam que eram da facção Independente, do São Paulo.
Munidos de barras de ferro, paus e pedras eles correm.
Em um ponto de ônibus há alguns membros da organizada Torcida Jovem.
Os que percebem a chegada dos vândalos correm.
Marcio Barreto de Toledo só percebeu quando era tarde.
O homem de 34 anos começou a ser covardemente agredido.
Socos, pontapés, pauladas, várias pancadas com barras de ferro na cabeça.
Houve mórbido revezamento de chutes e golpes com as barras no seu rosto.
Um massacre, uma covardia absurda.
Seu único crime foi vestir a camisa da Torcida Jovem do Santos.
Teve o crânio afundado, assim como as órbitas oculares.
Foi atendido pelo SAMU e levado às pressas ao hospital Municipal do Tatuapé.
Os médicos só conseguiram mantê-lo vivo até as 23h30...
Também ontem um jovem de 15 anos torcedor do Santos foi emboscado.
A Polícia Militar informa que ele é deficiente e se chama Lucas.
Estava na estação Penha do Metro, também na zona Leste de São Paulo.
Ele estava com um pequeno grupo de santistas.
Foi quando surgiram dezenas de membros de organizadas do São Paulo.
Outra vez a tática covarde.
Vários santistas conseguiram fugir, correr.
Menos Lucas.
Aí cerca de 15 criminosos passaram a massacrá-lo.
Chutes, socos, golpes com barra de ferro na sua cabeça.
O garoto estava ontem em estado gravíssimo.
A PM não confirma se ele morreu ou não.
Nas redes sociais, muitos membros de organizadas santistas revoltados.
E prometendo retaliação.
Lavar o sangue com mais sangue.
Se vingar da morte de Marcio Barreto e do espancamento de Lucas.
Com mais mortes, com mais espancamento.
Membros da torcida Independente já estão jurados.
Mas há a certeza.
Estarão preparados.
Até porque nesta guerra entre covardes, quem morre é o solitário.
Quase nunca quem está em grupo.
Vestir a camiseta do seu time no Brasil é colocar a vida em risco.
Graças à impunidade, assassinos fazem a festa no futebol.
A legislação é branda demais.
Os políticos, omissos.
A ordem silenciosa é "deixem que se matem".
Trabalhei por 23 anos no Jornal da Tarde.
Desde o início da década havia algo combinado na editoria.
Quase todo final de semana chegavam notícias de brigas entre torcidas.
Se o confronto não fosse de grandes proporções, com mortos...
Não era notícia.
O mesmo ainda vale para outros veículos de comunicação.
Ou seja, a sociedade brasileira se acomodou.
Aceita as seguidas mortes estúpidas, a troco de nada.
Não há interesse genuíno para que criminosos sejam presos.
Quer seja nas torcidas como fora delas.
Cada cidadão detido custa caríssimo ao governo.
Mesmo assim os presídios estão abarrotados.
Presos vivem como gado.
Celas com capacidade para 12 pessoas abrigam 70.
O rodízio macabro de mortes por espaço é uma realidade.
Prefeitos não querem penitenciárias em suas cidades.
É a certeza de rejeição da população e perda de mandatos.
Não há interesse em um trabalho de investigação.
De inteligência nas organizadas do Brasil.
Os vândalos e criminosos são maioria.
Mas estão dominando fatias importantes dentro das torcidas.
Incentivando jovens sem trabalho ou estudo à violência.
Fora o fato de o ambiente ser propício para a venda de drogas.
São milhares de jovens, adolescentes juntos.
Exaltados, revoltados, muitos marginalizados pela sociedade.
Chegou a hora do troco.
Ainda mais motivados com tanto exemplo de impunidades.
Vista vermelho, preto, branco, verde.
A ação de criminosos nas organizadas é o mesmo.
Assustadora e cada vez mais ousada, covarde.
Queimar bandeiras, camisetas adversárias é coisa de criança.
Deixar o torcedor rival desmaiado com chutes e socos é pouco.
O que vale é matar.
Dá status, traz respeito, medo, autoridade ao criminoso.
Estar em uma tocaia que matou alguém é motivo de orgulho.
Pouco importa quem morreu.
Qual família foi destroçada.
Como a de Marcio Barreto de Toledo.
Segurança profissional, tinha um filho de cinco meses.
Ele não poderá conhecer o pai.
Porque teve a cabeça esmagada por um bando de desconhecidos.
Bandidos que agora devem estar comemorando mais uma morte.
Talvez duas.
Quem sabe o garoto deficiente Bruno também morra?
Enquanto isso, vândalos e criminosos nas organizadas santistas juram.
Prometem vingança.
Olho por olho.
O palco pouco importa.
Como a segurança nos estádios melhorou é preferível matar longe.
Nas estações de metrô, nos pontos de ônibus.
No ano passado, números oficiais contabilizam 30 mortos.
Todos envolvidos com torcidas organizadas.
Com certeza morreram mais pessoas.
Só que muitas não entraram na contabilidade oficial.
Isso acontece há décadas.
Em 1991, o filho do ex-treinador Jair Pereira voltava para casa.
Havia acabado de assistir Vasco e Flamengo no Maracanã.
Estava em um ônibus comum.
Tomou um tiro e morreu.
Tinha 15 anos.
A carreira de seu pai nunca mais foi a mesma.
O abalo com a perda de Jairzinho se mostrou devastador.
Ninguém acabou preso pelo assassinato.
Este é o grande estímulo para que mais mortes aconteçam.
Criminosos nas organizadas já perceberam.
Como James Bond eles têm licença para matar.
Quem sabe no futuro os placares no futebol não mostrem mais gols?
E uma partida no Brasil seja decidida pelo número de mortos?
Seria uma saída para tanta impunidade.
Tantas ameaças dos Ministérios Públicos que não dão em nada.
Falta de empenho dos políticos, das autoridades.
Dá muito trabalho ajustar a legislação.
Mudar a Constituição até.
É melhor deixar assim.
Até que uma grande desgraça aconteça.
Ou alguém 'importante' seja assassinado por esses vândalos.
Quem sabe ao vivo, com a televisão mostrando para o mundo...
Enquanto forem pessoas anônimas, deficientes, que se matem.
Ganhou o prêmio Aceesp por seis vezes, como melhor repórter esportivo entre jornais e revistas de São Paulo. Trabalhou 22 anos no Jornal da Tarde. Começou com o blog no UOL, em 2009. Em sete meses, teve mais de 11 milhões de acessos. Cobriu as últimas Cinco Copas do Mundo, seis Eliminatórias para a Copa, quatro Copas América, dezenas de finais de Libertadores, Brasileiros e Campeonatos Paulistas. Mundial de Clubes no Japão 2011. O Pan-Americano do México. Três etapas do UFC. Olimpíadas de Londres 2012. Copa das Confederações em 2013. Foi a 29 países cobrir eventos esportivos.