O Futebol moderno, nome que alguns usam para definir o estado atual da administração desse esporte, movimenta milhões de dólares todos os dias e atingiu um grau de importância na vida de muitas pessoas que alguns consideram desproporcional. Partidas ocorrem praticamente todos os dias e cada vez mais jogos são transmitidos globalmente. Ídolos são criados e esquecidos, vilões, gênios e visionários aparecem e desaparecem. Dentre todo o imaginário criado em torno desse esporte uma das histórias mais recorrentes e discutidas são as dos jovens talentos. A imprensa esportiva, os clubes e também os torcedores estão sempre em busca do novo garoto de ouro, aquele que, entre todos, trará gloria para o seu clube, seu país e ainda ficará milionário fazendo o que muitos têm de pagar para poder fazer, jogando futebol.
A imagem do garoto pobre, o menino que um dia está indo de condução para o treino de juniores e no outro está indo de primeira classe jogar na Europa, ganhando um salário que antes era impensável, é uma das imagens mais veiculadas em nossa sociedade e que muitos garotos tem na cabeça quando começam a jogar futebol. Foi criada a imagem de que esses garotos surgem do nada e, impulsionados apenas pelo seu talento e pela sua sorte, foram catapultados ao estrelato.
A televisão não mostra que um garoto de vinte anos indo para a Europa está, na verdade, coroando uma carreira que começou cedo. Com dez ou onze anos milhares de garotos, que sonham em ser jogador de futebol, começam a perseguir seu sonho em seleções de clubes (as chamadas peneiras), campeonatos de várzea ou simplesmente se apresentando para um conhecido que possa colocá-lo em alguma equipe. Para escolher, treinar e cuidar desses garotos existe um pequeno exército trabalhando, treinadores, preparadores físicos, fisioterapeutas entre muitos outros. Pessoas que não são muito lembradas em entrevistas, reportagens especiais e agradecimentos, mas que tem em suas mãos o destino de milhares de garotos e que, freqüentemente, principalmente nos clubes com um trabalho de base mais respeitado, têm a missão de, em uma peneira com milhares de garotos, apontarem o dedo e decidir quem, entre tantos, poderá seguir com o seu sonho de ser jogador de futebol.
A Atuação dos profissionais ligados às categorias de base pode não ser lembrada pela imprensa e o nome dos grandes responsáveis pela descoberta dos craques não está na cabeça nem dos mais fanáticos torcedores de futebol, mas para os jogadores profissionais esse momento da vida, com certeza, é marcante, deixando lembranças e até sentimentos profundos. “Mantenho contato apenas com ex-jogadores, dá época que eu treinava. Esse grupo, geralmente quando a gente se encontra, conversa do passado e rememora o tempo de convivência. Teve um que eu até pensei que não fosse se lembrar e parar para conversar comigo, que foi o Neto (campão brasileiro pelo Corinthians e hoje comentarista de rede Bandeirantes). Ele parou, conversou, veio perguntar como eu estava e isso já fazia muito tempo, mais de 30 anos, treinei ele em 1983.” Conta Paulo Araujo que trabalhou nas categorias de base do Guarani de Campinas, primeiro como preparador físico e depois como técnico entre os anos de 1982 e 1987.
Os administradores das categorias de base têm um grande poder por trás dos panos e decidem o destino de milhares de jovens, podem trazer um grande lucro para os seus clubes, ou um grande prejuízo, dependendo de quem eles escolhem, e também têm uma grande influência nos jogadores, pois estão presentes durante um período de formação da identidade dos adolescentes.
Quem são eles
Os profissionais das categorias de base chegaram a esses cargos, em sua enorme maioria, por dois caminhos: eles podem ser formados em educação física ou serem ex-jogadores de futebol. Para os formados em educação física o caminho é bastante tradicional. Recém formados, em busca de um emprego, vão de clube em clube buscando serem contratados. Renato Marques e Paulo Araújo são atualmente professores universitários, na área de Educação Física, o primeiro na Universidade de São Paulo e o segundo na Unicamp. Em comum, ambos começaram a carreira trabalhando nas categorias de base do Guarani, tradicional clube de Campinas e famoso por revelar grandes atletas.
Paulo Araújo começou a procurar um clube para trabalhar, depois de se formar em 1982, e acabou no Guarani onde trabalhou até 1987, circulou pelo infantil, juvenil exercendo funções diversas, principalmente de preparador físico e treinador. Renato Marques começou como estagiário em 2001, treinando escolinhas de futebol do Guarani e, após se formar em 2005, foi promovido a técnico do Futsal juvenil, modalidade tradicional no clube e responsável pelo desenvolvimento de atletas, tanto para o Futsal quanto para o campo.
Do outro lado estão os profissionais que vieram do futebol propriamente dito, ex-jogadores que após o fim da carreira voltam às suas cidades de origem, ou ao seu clube formador, que se graduaram em educação física e procuram continuar ganhando a vida no esporte que os projetou. De pois de viver como jogador, o atleta volta para a base e trabalha com garotos que estão na mesma posição em que ele já esteve.
Alexandre Ferreira trabalha há um ano como treinador do sub-20 no Botafogo de Ribeirão Preto. Une um pouco dos dois mundos, já que cursou educação física enquanto jogava. O Futebol está no seu sangue, seu pai foi jogador do mesmo Botafogo nos anos 70 e ele e seus irmãos seguiram o mesmo caminho, começando no clube do pai. Começou cedo, aos 11 anos, e defendeu, além do time do interior, São Paulo, Vasco e clubes no exterior. Após se aposentar, aos 30 anos, no mesmo momento em que se forma em educação física começa a dar aulas de futebol, em escolinhas pelo interior. Ele se torna técnico do sub 17 do Olé Brasil equipe juvenil de Ribeirão Preto sem muita expressão e, em meados de 2012, foi contratado para dirigir as categorias de base do clube de seu pai.
Evaristo Piza trilhou um caminho parecido, formado no Corinthians paulista jogou em diversos clubes no Brasil e no exterior, se aposentou em 2001 e foi cursar educação física na PUC Campinas. Após se formar trabalhou com categorias de base no São Paulo, no Guarani, no Japão, entre outras, e atualmente está dando o próximo passo na carreira, treinando a equipe adulta do Velo-Clube que disputa a série A2 do campeonato paulista.
O casamento entre ex-atletas e educação física é fundamental para o bom desenvolvimento dos garotos. Esses dois perfis trazem, cada um, conhecimentos fundamentais para os jovens atletas. O jogador aposentado traz o conhecimento prático daquele que viveu o jogo e também dos caminhos e armadilhas que o futuro trará, enquanto o educador físico contribui com o conhecimento teórico e técnico sobre como treinar e lidar melhor com o corpo em formação dos garotos. “Na época trabalhava mais como preparador físico e na verdade eu iria assumir aquilo que o treinador não queria assumir, geralmente essas pessoas não tem formação acadêmica, não me lembro de ter trabalhado com professores, apenas com ex-jogadores e curiosos que normalmente estavam interessados apenas em treinar o time A” conta Paulo Araujo, sobre seu começo no Guarani.
Atribuições
E quais são exatamente as atribuições dos profissionais da base? Eles têm a função de selecionar e treinar os garotos até que o treinador do time profissional necessite um jogador para uma posição específica, ou que o jovem mostre um talento indiscutível. A carreira do jogador de futebol começa cedo, os garotos já podem ser selecionados pra treinar por um clube em idades inferiores a 12 anos. A partir desse momento ele irá subindo conforme sua idade, e o seu talento, até o ultimo degrau, o sub-20, onde ficará à espera do chamado do profissional.
Começar cedo e treinar em escolinhas é fundamental para o desenvolvimento do atleta, apesar de existirem exceções, que entraram no mundo do futebol de alto rendimento diretamente no profissional. “Sem um trabalho de base, eu acho difícil, por exemplo, a gente nota. Na minha categoria, o sub-20, a gente pode falar bem sobre isso. Quando abre avaliação pelo site a gente recebe um número grande de garotos. Na verdade um garoto de 19 anos que não participou de nenhuma atividade na base vai estar perdendo muito em relação à coordenação e treinamento. A dificuldade dele é muito grande para acompanhar os garotos que estão com a gente desde as categorias menores. Exceções existem, como o Leandro Damião e o Liedson, que começaram com 19 anos, mas são muito poucas.” Conta Alexandre Ferreira.
Os garotos, para entrarem no mundo do futebol seguem três caminhos, que são assim há muito tempo e todos os entrevistados concordam: a peneira, o olheiro ou a indicação. O olheiro é uma das figuras míticas do futebol, Paulo Araujo conta que o olheiro é um funcionário do clube que tem a função de assistir jogos pelo país e procurar garotos que possam ter talento. Quando um garoto se destaca em algum lugar ele é convidado por esse olheiro para passar por um período de experiência no clube, depois desse tempo a comissão técnica irá decidir se ele será aceito ou se será mandado de volta. A outra forma é a indicação, um empresário, agente ou simplesmente uma pessoa com conhecidos no clube, leva um garoto que considera ter talento para um período de experiência.
E, por fim, o mais famoso a peneira. Ela é a única opção para pais e garotos que não contam com conhecidos no meio do futebol, ou tem o azar de nunca estar no jogo que o olheiro vai. Uma peneira pode ter até 2 mil garotos, que realizam atividades em um clube durante um certo período de tempo, geralmente dois ou três dias. Ao final desse período o técnico da base tem uma de suas atribuições mais difíceis, apontar o dedo e escolher entre tantos garotos aqueles que terão um futuro no futebol daquele clube e os que não poderão ser jogadores de futebol.
Os garotos que superam essa fase iniciarão um longo caminho, por às vezes mais de 10 anos, até o sonho de se tornar profissional. O período em que o garoto fica na base é um momento que vai além da sua formação técnica no futebol e passa também pela transição entre a adolescência e vida adulta. O treinador é uma das pessoas que passa mais tempo com os garotos e, em algum momento, se torna mais que um técnico e passa a também servir como confidente, e se preocupar com os problemas extra-campo que estão afetando a vida de seu pupilo. “Quando se convive por muito tempo, às vezes três, quatro vezes por semana, viajando no fim de semana, ficando em hotel juntos, você acaba criando laços e passa a se preocupar com a vida dele e a tentar ajudar nos momentos difíceis” conta Renato Marques
O jogador que consegue superar todos esses anos sem ser dispensado, ou sofrer alguma lesão grave que o afasta do futebol, chega a ultima etapa, o sub-20. A partir desse momento é se tornar profissional ou procurar outra ocupação. Essa decisão não está mais nas mãos dos treinadores de base e sim nas do técnico do profissional, que como os entrevistados disseram pode ouvir sugestões. Os garotos sobem de duas maneiras, pela necessidade do profissional, determinada posição está sem atleta então o técnico do profissional vai assistir aos jogos da base a procura desse atleta ou, da maneira mais rara, pelo talento indiscutível do jogador que surpreendendo os profissionais da base, do adulto e todos os outros, deixa claro que deve subir pois se tornará um grande jogador um dia.
Títulos
Os torcedores mais apaixonados costumam lembrar de memória todos os títulos do seu clube do coração e também jogadores, técnicos, presidentes e quase todos os envolvidos na conquista. Mas nem os mais apaixonados conseguem se lembrar dos títulos das categorias de base, salvo algumas exceções, nem dos técnicos e os garotos responsáveis.
As categorias de base, cada uma de suas divisões, funcionam de forma semelhante ao profissional com campeonatos nos mais diversos níveis, desde regionais até internacionais. Cada uma das divisões tem seus heróis, promessas e disputas inesquecíveis que são apenas lembradas por aqueles que participaram ou que vivem o dia a dia das bases. Para aqueles que as viveram, cada conquista é celebrada com a emoção de um grande título e lembrada para sempre com carinho, mesmo que poucas pessoas recordem.
“Fui campeão infantil de 82, campeão juvenil de 83, campeão estadual juvenil de 83 e campeão brasileiro de 84” lembra Paulo Araujo que trabalhou no Guarani no auge do time, famoso por revelar grandes jogadores. Evaristo Piza tem como memória mais marcante o vice campeonato paulista sub-17, com o Paulínia em 2009, um clube sem expressão, que no caminho conseguiu derrotar clubes muito mais ricos e importantes, como São Paulo, Palmeiras e Portuguesa. Alexandre Ferreira tem, como um dos momentos mais importantes da carreira, o título de campeão paulista sub-17, de 2009, vencendo com o Olé Brasil, na final, o Paulínia de Evaristo.
O fim
O tempo passa, os garotos crescem e seguem o seu próprio caminho, alguns não irão muito longe no mundo do futebol e acabarão buscando outras ocupações, outros realizarão o sonho de viver jogando bola, alguns até mesmo irão retornar para treinar a mesma base em que jogaram um dia. E apenas alguns conseguirão o objetivo máximo de todos os garotos que se aventuram no mundo do futebol, irem para a Europa, ficarem ricos e famosos.
Os tempos da base ficarão na memória, mas raramente serão lembrados em entrevistas e agradecimentos. Aquele treinador que em algum momento decidiu entre a hoje estrela e o garoto que não vingou no futebol, nunca é lembrado. Para os treinadores de base, que vêem garotos passar ano após ano, restam as lembranças. Poucos são os jogadores que mantém contato com os treinadores depois de trocar de time e estes acabam por acompanhar a carreira dos pupilos por meio da televisão ou de terceiros. Algum mantém um contato cordial com os ex-pupilos, Renato Marques conta que mandou um parabéns pelo Facebook para Leo Cittadini, grande estrela do Santos campeão da Copa São Paulo de futebol Junior de 2013, que foi seu aluno no Guarani quando tinha apenas 11 anos. Hoje o garoto está com 19. Recebeu uma resposta agradecendo e lembrando-se dos tempos de Guarani.
A televisão não mostra que um garoto de vinte anos indo para a Europa está, na verdade, coroando uma carreira que começou cedo. Com dez ou onze anos milhares de garotos, que sonham em ser jogador de futebol, começam a perseguir seu sonho em seleções de clubes (as chamadas peneiras), campeonatos de várzea ou simplesmente se apresentando para um conhecido que possa colocá-lo em alguma equipe. Para escolher, treinar e cuidar desses garotos existe um pequeno exército trabalhando, treinadores, preparadores físicos, fisioterapeutas entre muitos outros. Pessoas que não são muito lembradas em entrevistas, reportagens especiais e agradecimentos, mas que tem em suas mãos o destino de milhares de garotos e que, freqüentemente, principalmente nos clubes com um trabalho de base mais respeitado, têm a missão de, em uma peneira com milhares de garotos, apontarem o dedo e decidir quem, entre tantos, poderá seguir com o seu sonho de ser jogador de futebol.
A Atuação dos profissionais ligados às categorias de base pode não ser lembrada pela imprensa e o nome dos grandes responsáveis pela descoberta dos craques não está na cabeça nem dos mais fanáticos torcedores de futebol, mas para os jogadores profissionais esse momento da vida, com certeza, é marcante, deixando lembranças e até sentimentos profundos. “Mantenho contato apenas com ex-jogadores, dá época que eu treinava. Esse grupo, geralmente quando a gente se encontra, conversa do passado e rememora o tempo de convivência. Teve um que eu até pensei que não fosse se lembrar e parar para conversar comigo, que foi o Neto (campão brasileiro pelo Corinthians e hoje comentarista de rede Bandeirantes). Ele parou, conversou, veio perguntar como eu estava e isso já fazia muito tempo, mais de 30 anos, treinei ele em 1983.” Conta Paulo Araujo que trabalhou nas categorias de base do Guarani de Campinas, primeiro como preparador físico e depois como técnico entre os anos de 1982 e 1987.
Os administradores das categorias de base têm um grande poder por trás dos panos e decidem o destino de milhares de jovens, podem trazer um grande lucro para os seus clubes, ou um grande prejuízo, dependendo de quem eles escolhem, e também têm uma grande influência nos jogadores, pois estão presentes durante um período de formação da identidade dos adolescentes.
Quem são eles
Os profissionais das categorias de base chegaram a esses cargos, em sua enorme maioria, por dois caminhos: eles podem ser formados em educação física ou serem ex-jogadores de futebol. Para os formados em educação física o caminho é bastante tradicional. Recém formados, em busca de um emprego, vão de clube em clube buscando serem contratados. Renato Marques e Paulo Araújo são atualmente professores universitários, na área de Educação Física, o primeiro na Universidade de São Paulo e o segundo na Unicamp. Em comum, ambos começaram a carreira trabalhando nas categorias de base do Guarani, tradicional clube de Campinas e famoso por revelar grandes atletas.
Paulo Araújo começou a procurar um clube para trabalhar, depois de se formar em 1982, e acabou no Guarani onde trabalhou até 1987, circulou pelo infantil, juvenil exercendo funções diversas, principalmente de preparador físico e treinador. Renato Marques começou como estagiário em 2001, treinando escolinhas de futebol do Guarani e, após se formar em 2005, foi promovido a técnico do Futsal juvenil, modalidade tradicional no clube e responsável pelo desenvolvimento de atletas, tanto para o Futsal quanto para o campo.
Do outro lado estão os profissionais que vieram do futebol propriamente dito, ex-jogadores que após o fim da carreira voltam às suas cidades de origem, ou ao seu clube formador, que se graduaram em educação física e procuram continuar ganhando a vida no esporte que os projetou. De pois de viver como jogador, o atleta volta para a base e trabalha com garotos que estão na mesma posição em que ele já esteve.
Alexandre Ferreira trabalha há um ano como treinador do sub-20 no Botafogo de Ribeirão Preto. Une um pouco dos dois mundos, já que cursou educação física enquanto jogava. O Futebol está no seu sangue, seu pai foi jogador do mesmo Botafogo nos anos 70 e ele e seus irmãos seguiram o mesmo caminho, começando no clube do pai. Começou cedo, aos 11 anos, e defendeu, além do time do interior, São Paulo, Vasco e clubes no exterior. Após se aposentar, aos 30 anos, no mesmo momento em que se forma em educação física começa a dar aulas de futebol, em escolinhas pelo interior. Ele se torna técnico do sub 17 do Olé Brasil equipe juvenil de Ribeirão Preto sem muita expressão e, em meados de 2012, foi contratado para dirigir as categorias de base do clube de seu pai.
Evaristo Piza trilhou um caminho parecido, formado no Corinthians paulista jogou em diversos clubes no Brasil e no exterior, se aposentou em 2001 e foi cursar educação física na PUC Campinas. Após se formar trabalhou com categorias de base no São Paulo, no Guarani, no Japão, entre outras, e atualmente está dando o próximo passo na carreira, treinando a equipe adulta do Velo-Clube que disputa a série A2 do campeonato paulista.
O casamento entre ex-atletas e educação física é fundamental para o bom desenvolvimento dos garotos. Esses dois perfis trazem, cada um, conhecimentos fundamentais para os jovens atletas. O jogador aposentado traz o conhecimento prático daquele que viveu o jogo e também dos caminhos e armadilhas que o futuro trará, enquanto o educador físico contribui com o conhecimento teórico e técnico sobre como treinar e lidar melhor com o corpo em formação dos garotos. “Na época trabalhava mais como preparador físico e na verdade eu iria assumir aquilo que o treinador não queria assumir, geralmente essas pessoas não tem formação acadêmica, não me lembro de ter trabalhado com professores, apenas com ex-jogadores e curiosos que normalmente estavam interessados apenas em treinar o time A” conta Paulo Araujo, sobre seu começo no Guarani.
Atribuições
E quais são exatamente as atribuições dos profissionais da base? Eles têm a função de selecionar e treinar os garotos até que o treinador do time profissional necessite um jogador para uma posição específica, ou que o jovem mostre um talento indiscutível. A carreira do jogador de futebol começa cedo, os garotos já podem ser selecionados pra treinar por um clube em idades inferiores a 12 anos. A partir desse momento ele irá subindo conforme sua idade, e o seu talento, até o ultimo degrau, o sub-20, onde ficará à espera do chamado do profissional.
Começar cedo e treinar em escolinhas é fundamental para o desenvolvimento do atleta, apesar de existirem exceções, que entraram no mundo do futebol de alto rendimento diretamente no profissional. “Sem um trabalho de base, eu acho difícil, por exemplo, a gente nota. Na minha categoria, o sub-20, a gente pode falar bem sobre isso. Quando abre avaliação pelo site a gente recebe um número grande de garotos. Na verdade um garoto de 19 anos que não participou de nenhuma atividade na base vai estar perdendo muito em relação à coordenação e treinamento. A dificuldade dele é muito grande para acompanhar os garotos que estão com a gente desde as categorias menores. Exceções existem, como o Leandro Damião e o Liedson, que começaram com 19 anos, mas são muito poucas.” Conta Alexandre Ferreira.
Os garotos, para entrarem no mundo do futebol seguem três caminhos, que são assim há muito tempo e todos os entrevistados concordam: a peneira, o olheiro ou a indicação. O olheiro é uma das figuras míticas do futebol, Paulo Araujo conta que o olheiro é um funcionário do clube que tem a função de assistir jogos pelo país e procurar garotos que possam ter talento. Quando um garoto se destaca em algum lugar ele é convidado por esse olheiro para passar por um período de experiência no clube, depois desse tempo a comissão técnica irá decidir se ele será aceito ou se será mandado de volta. A outra forma é a indicação, um empresário, agente ou simplesmente uma pessoa com conhecidos no clube, leva um garoto que considera ter talento para um período de experiência.
E, por fim, o mais famoso a peneira. Ela é a única opção para pais e garotos que não contam com conhecidos no meio do futebol, ou tem o azar de nunca estar no jogo que o olheiro vai. Uma peneira pode ter até 2 mil garotos, que realizam atividades em um clube durante um certo período de tempo, geralmente dois ou três dias. Ao final desse período o técnico da base tem uma de suas atribuições mais difíceis, apontar o dedo e escolher entre tantos garotos aqueles que terão um futuro no futebol daquele clube e os que não poderão ser jogadores de futebol.
Os garotos que superam essa fase iniciarão um longo caminho, por às vezes mais de 10 anos, até o sonho de se tornar profissional. O período em que o garoto fica na base é um momento que vai além da sua formação técnica no futebol e passa também pela transição entre a adolescência e vida adulta. O treinador é uma das pessoas que passa mais tempo com os garotos e, em algum momento, se torna mais que um técnico e passa a também servir como confidente, e se preocupar com os problemas extra-campo que estão afetando a vida de seu pupilo. “Quando se convive por muito tempo, às vezes três, quatro vezes por semana, viajando no fim de semana, ficando em hotel juntos, você acaba criando laços e passa a se preocupar com a vida dele e a tentar ajudar nos momentos difíceis” conta Renato Marques
O jogador que consegue superar todos esses anos sem ser dispensado, ou sofrer alguma lesão grave que o afasta do futebol, chega a ultima etapa, o sub-20. A partir desse momento é se tornar profissional ou procurar outra ocupação. Essa decisão não está mais nas mãos dos treinadores de base e sim nas do técnico do profissional, que como os entrevistados disseram pode ouvir sugestões. Os garotos sobem de duas maneiras, pela necessidade do profissional, determinada posição está sem atleta então o técnico do profissional vai assistir aos jogos da base a procura desse atleta ou, da maneira mais rara, pelo talento indiscutível do jogador que surpreendendo os profissionais da base, do adulto e todos os outros, deixa claro que deve subir pois se tornará um grande jogador um dia.
Títulos
Os torcedores mais apaixonados costumam lembrar de memória todos os títulos do seu clube do coração e também jogadores, técnicos, presidentes e quase todos os envolvidos na conquista. Mas nem os mais apaixonados conseguem se lembrar dos títulos das categorias de base, salvo algumas exceções, nem dos técnicos e os garotos responsáveis.
As categorias de base, cada uma de suas divisões, funcionam de forma semelhante ao profissional com campeonatos nos mais diversos níveis, desde regionais até internacionais. Cada uma das divisões tem seus heróis, promessas e disputas inesquecíveis que são apenas lembradas por aqueles que participaram ou que vivem o dia a dia das bases. Para aqueles que as viveram, cada conquista é celebrada com a emoção de um grande título e lembrada para sempre com carinho, mesmo que poucas pessoas recordem.
“Fui campeão infantil de 82, campeão juvenil de 83, campeão estadual juvenil de 83 e campeão brasileiro de 84” lembra Paulo Araujo que trabalhou no Guarani no auge do time, famoso por revelar grandes jogadores. Evaristo Piza tem como memória mais marcante o vice campeonato paulista sub-17, com o Paulínia em 2009, um clube sem expressão, que no caminho conseguiu derrotar clubes muito mais ricos e importantes, como São Paulo, Palmeiras e Portuguesa. Alexandre Ferreira tem, como um dos momentos mais importantes da carreira, o título de campeão paulista sub-17, de 2009, vencendo com o Olé Brasil, na final, o Paulínia de Evaristo.
O fim
O tempo passa, os garotos crescem e seguem o seu próprio caminho, alguns não irão muito longe no mundo do futebol e acabarão buscando outras ocupações, outros realizarão o sonho de viver jogando bola, alguns até mesmo irão retornar para treinar a mesma base em que jogaram um dia. E apenas alguns conseguirão o objetivo máximo de todos os garotos que se aventuram no mundo do futebol, irem para a Europa, ficarem ricos e famosos.
Os tempos da base ficarão na memória, mas raramente serão lembrados em entrevistas e agradecimentos. Aquele treinador que em algum momento decidiu entre a hoje estrela e o garoto que não vingou no futebol, nunca é lembrado. Para os treinadores de base, que vêem garotos passar ano após ano, restam as lembranças. Poucos são os jogadores que mantém contato com os treinadores depois de trocar de time e estes acabam por acompanhar a carreira dos pupilos por meio da televisão ou de terceiros. Algum mantém um contato cordial com os ex-pupilos, Renato Marques conta que mandou um parabéns pelo Facebook para Leo Cittadini, grande estrela do Santos campeão da Copa São Paulo de futebol Junior de 2013, que foi seu aluno no Guarani quando tinha apenas 11 anos. Hoje o garoto está com 19. Recebeu uma resposta agradecendo e lembrando-se dos tempos de Guarani.
O trabalho de base é um dos pilares do futebol moderno, movimenta milhões de reais, treina e descobre os jogadores que irão se destacar no futebol e atrair multidões para os estádios. Cuidando desses garotos existe uma grande quantidade de pessoas que dedicam boa parte de suas vidas a descobrir e desenvolver novos talentos. Profissionais que são raramente lembrados, não recebem homenagens e não tem os títulos na memória dos torcedores, mas cuja contribuição é fundamental para a continuidade do futebol e para a saúde financeira dos clubes, além é claro da conquista de títulos pelos clubes e pelas seleções. Alexandre Ferreira se lembra de uma das suas escolhas, que acabou por ser uma das mais lucrativas da história do pequeno Olé Brasil. O time tinha acabado de fechar uma parceria com Camarões e recebeu um grupo de garotos para treinarem e serem, caso aprovados, contratados. Um deles foi selecionado pelo treinador na hora do primeiro chute, que já transparecia grande talento, o zagueiro Vincent Bikana que ficou para treinar e ser, posteriormente, vendido para a Europa e chamado para a seleção de Camarões.
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